A coluna “+Mulher” deste mês é mais do que especial. Neste período em que celebramos mulheres que fazem toda a diferença na sociedade e em seu meio, escolhemos alguém verdadeiramente notável: Ivanete Xavier. Com 55 anos, Ivanete é uma mulher negra evangélica e servidora pública federal há 32 anos. Ela é a 14ª filha de José Inácio Xavier e Antonieta Paulino Xavier, além de ser mãe de Aline Xavier Raimundo. Ivanete adora cantar uma variedade de estilos musicais em um coral interreligioso e sempre faz questão de afirmar: “Não saio de casa sem um café!”
Mestranda em Tecnologias da Informação e Comunicação na Educação pela Universidade Europeia do Atlântico (UNIATLANTICO), especialista em Educação a Distância pela UFPR e em Teologia-Missiologia pela Faculdade Unyleya. Também graduada em Tecnologia em Gestão Pública pela Universidade Federal do Paraná. Além disso, atua como membro da Comissão da Banca de Validação de Autodeclaração da UFPR e da Fundação Estatal de Atenção à Saúde (FEAS). Representante e participante de pesquisa no Conselho de Ética em Pesquisa (CEP) da Faculdade Inspirar, indicada pelo Conselho Estadual de Saúde do Paraná, e presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher do Paraná. Como servidora da UFPR, possui uma trajetória extensa e enriquecedora. Mas, quem é Ivanete? É o que vamos descobrir agora nesta edição especial do +Mulher, dedicada ao mês das mulheres.
Cla – Olá, Ivanete. Primeiramente, gostaríamos de agradecer pela disponibilidade da sua agenda atribulada para nos conceder esta entrevista para a CLA Magazine.
Ivanete – Gratidão pelo convite, é uma honra ser entrevistada por você, Cla, para a CLA Magazine.
Cla –Este mês, em especial, é dedicado a mais debates sobre os direitos da mulher e toda a questão que envolve a sua atuação profissional e social. Me diga, como começou a trajetória de Ivanete Xavier em prol da sociedade negra e dos direitos da mulher?
Ivanete – A minha trajetória teve início desde muito jovem, quando tive contato com a religiosidade praticada pela minha família. Foi dentro da igreja evangélica que aprendi valores éticos cristãos que me acompanham até hoje. Foi lá também que comecei a sentir a necessidade de questionar as estruturas que ajudaram a formar minhas experiências, não apenas no aspecto espiritual, mas também como mulher negra.
A religiosidade sempre fez parte da minha vida, porém sempre com questionamentos dentro do contexto religioso. Foi somente em 2006, através de um convite de uma família de uma denominação cristã, que coordenei o projeto Culto Afro por 10 anos, levando a cultura, a musicalidade e a corporeidade da cultura africana e afrobrasileira para dentro das igrejas evangélicas.
Os direitos da mulher começaram a se tornar uma prioridade para mim a partir de uma violência que sofri.
Cla – Muitas pessoas demonizam o serviço público em relação à sociedade, o que é um absurdo em muitos casos. Nesse sentido, qual balanço você faz entre a realidade de prestar um serviço para a sociedade e o que realmente é percebido pela sociedade?
Ivanete – Sou servidora pública federal. O servidor público assume uma missão importante: transformar a sociedade em que vive por meio da implementação de políticas públicas e da prestação de serviços à população. O candidato a uma função pública deve entender que, mais do que um emprego, o ingresso no serviço público acarreta novas responsabilidades para além das atribuições da função. Além de ser suplente do Conselho Estadual de Saúde do Paraná, também já trabalhei em um hospital público como técnica em enfermagem.
O acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS) ainda é considerado restritivo, embora seja reconhecido internacionalmente como um sistema público universal de saúde. Ao longo dos seus 30 anos de existência, o SUS conquistou vitórias significativas, mas ainda é pouco conhecido e mal visto pelos brasileiros. Com a implantação da Estratégia Saúde da Família, houve uma melhora significativa no acesso percebida pelos usuários, embora as classes médias continuem preferindo planos de saúde privados. No entanto, durante a pandemia de Covid-19, o SUS foi fundamental para salvar vidas, independentemente da classe social.
Cla – Nesse sentido, do serviço público, qual momento ou conquista acredita ser para você o mais importante até hoje?
Ivanete – O momento em que posso servir à população, especialmente à comunidade externa, com dignidade e respeito, contribuindo para políticas públicas e ações afirmativas que realmente alcançam quem mais precisa.
Cla – Como recebeu a nomeação para a presidência do CDM/PR e qual marca pretende deixar nesse setor, assim como nos demais conselhos que atua, como na Rede de Mulheres Negras?
Ivanete – A presidência do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher/PR chegou com muita apreensão, pois é um espaço novo, onde nunca antes uma mulher negra ocupou esse cargo de poder. Tudo o que é novo gera expectativas e uma mudança de paradigmas, especialmente em relação à representatividade, abrindo caminho para outras mulheres que virão depois de mim. É importante que não sejamos únicas e que possamos ser reconhecidas pelas nossas habilidades e não pela cor da pele, como já disse o pastor e ativista Martin Luther King Jr. Nos conselhos e na RMN-PR, pretendo deixar um legado para minha filha e para as demais crianças e adolescentes – que elas possam sonhar em voar para lugares mais altos, pois sonhar é possível.
Cla – Apesar de você ser ainda uma “jovem menina”, qual o paradoxo que pode nos dar sobre a Ivanete criança, uma menina negra, e a Ivanete presidente do CDMPR?
Ivanete – A Ivanete foi uma criança extremamente tímida, fora dos padrões de beleza, porém estudiosa. Como tantas outras adolescentes, ela não recebeu educação sobre letramento racial, o que torna mais difícil a compreensão e a percepção do racismo estrutural que enfrentamos diariamente. Ivanete era aquela que administrava tudo, mas deixava o protagonismo para outra pessoa, e estava tudo bem porque não gostava de visibilidade. A vida nos ensina e nos capacita, e a educação formal, mesmo que tardia, me leva a assumir o protagonismo e ter uma visibilidade que ainda estou administrando. Estamos passando por um momento importante na sociedade, com um aumento nas denúncias de casos de racismo e injúria racial. Precisamos nos posicionar e educar as gerações, especialmente em relação à conquista dos seus direitos como cidadãos.
Cla – Recentemente, foi lançado o livro “Mulheres São Tudo Isso e Muito Mais”, onde você é uma das autoras. Qual a real importância desse livro para você e o legado que ele deixará para esta e futuras gerações?
Ivanete – Este livro me proporcionou a oportunidade de escrever sobre um tema livre, e escolhi abordar a ascensão social da mulher negra fora dos padrões convencionais, com foco especial na estética do corpo negro, especialmente o cabelo crespo. O legado desse trabalho seria a transformação da estrutura da sociedade como consequência do progresso da mulher negra ocupando espaços, já que ela ainda está na base da pirâmide social.
Cla – Eu sou suspeito em falar sobre você, pois em dois momentos distintos da sua carreira tive o privilégio de fotografá-la, e posso garantir que para mim foi uma grande surpresa. O que as pessoas imaginam sobre Ivanete Xavier e como ela realmente é no dia a dia?
Ivanete – Eu tive o privilégio de ser fotografada por você em 2020, durante minha candidatura para vereadora em Curitiba, como parte do projeto Mulheres Incríveis. Já havia feito um ensaio na juventude, mas fazer outro após os 50 anos elevou minha autoestima a níveis inimagináveis. Por ser fotogênica, já me perguntaram se as fotos têm filtro, mas me divirto com os comentários nas redes sociais. Quanto à Ivanete da vida real, sou aquela que se levanta às 6h da manhã para fazer uma caminhada, que vai a pé para o trabalho e se divide em diversos papéis ao longo do dia, como mulher, dona de casa e mãe de uma adolescente.
Cla – Ainda sobre as fotos, como foi para você essa experiência de fotografar para a CLA Magazine?
Ivanete – Foi maravilhoso, muito glamouroso! Foi acessar um espaço que, para mim, naquele momento, não era pensável. Na correria do dia-a-dia, pensar na autoestima, na beleza e no bem-estar não caracterizava um autocuidado. E não será a última vez; estou aproveitando muito.
Cla – Na sua opinião, qual o grande desafio da gestão pública para buscar equidade nas relações profissionais entre mulheres e homens?
Ivanete – Por muito tempo, as mulheres foram privadas da vida pública e de decisões econômicas e políticas, dedicando-se exclusivamente ao cuidado da família e ao crescimento de outras pessoas. Quanto às mulheres negras, muitas trabalhavam no cuidado das casas e das famílias mais abastadas. Avanços significativos ocorreram ao longo dos anos, como a luta das mulheres pelo direito ao voto e pela participação em decisões que afetam suas vidas.
Com muita luta, conquistaram espaços nas esferas pública e profissional. No entanto, nos espaços públicos, ainda enfrentam preconceito e discriminação quando se trata de equidade de gênero. Alguns estudos indicam que serão necessários mais de dois séculos para alcançar a igualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho. Sigamos com esperança para nos tornarmos protagonistas nessa transformação social.
Cla – Sendo mulher negra, certa da sua ancestralidade, e toda a questão cultural e racial, qual a sua mensagem final para nossas leitoras e leitores? O que podemos mudar hoje para um futuro mais igualitário e harmonioso em nosso país?
Ivanete – Podemos educar esta e as futuras gerações para reduzir as desigualdades sociais e raciais que afetam a população negra no país, e assim vislumbrar um futuro com uma sociedade mais justa e igualitária para todos. É importante lembrar que respeitar é melhor do que tolerar, e ao praticarmos a solidariedade no cotidiano, contribuímos para esse objetivo.
Cla – Agradecimento final.
Ivanete – Agradeço a Deus por tudo que tem feito em minha vida, à minha rede de apoio familiar, cobertura espiritual e a todas as pessoas que participaram direta ou indiretamente em todos os processos que atravessaram minha vida.
“Povoada
Quem falou que eu ando só?
Nessa terra, nesse chão de meu Deus
Sou uma mas não sou só”.