Greicy Kerol Patrizzi
Conhecimento de causa
Desde a juventude, Greicy Kerol Patrizzi sentiu o prejuízo que recai sobre as mulheres determinadas a se construírem profissionalmente, em paralelo à maternidade. De saída, foi convidada a se retirar do escritório modelo da faculdade que frequentou, por levar sua filha ao local, em uma ocasião pontual, na qual não tinha com quem deixar a criança. Em resumo, se até a instituição de ensino que deveria incluir exclui já dimensionamos o que acontece nas demais estruturas sociais.
Então, o episódio que poderia desmotivar convidou a futura advogada a lutar pelas causas que assumiu como se fossem suas. Naturalmente, enveredou pela defesa dos Direitos Humanos, para a finalidade de resguardar aqueles que são mais prejudicados neste âmbito. Assim, se especializou na defesa das mulheres, público ao qual se dedica durante os mais de vinte anos de exercício da advocacia. “Exerço uma advocacia voltada às mulheres, tenho apenas dois clientes homens, porque estiveram sempre em congruência com meus valores. Contudo, todos os demais homens de visão respeitosa aos direitos das mulheres são bem-vindos”, explica.
A dedicação se traduz em mais de 800 processos com os quais se deparou com a sobrecarga feminina provocada pelo exercício profissional e maternidade, versus direitos e deveres parentais, que devem ser divididos entre toda a família, mas ainda encontram subterfúgios para sacrificar a mulher em detrimento dos homens, por razões culturais.
Injustiça institucionalizada
“Uma cliente recém separada e vítima de agressão por parte do marido foi intimada a comparecer à Oficina de Pais e Filhos, realizada pelo Núcleo de Conciliação da Varas de Família de Curitiba, para uma palestra ministrada para casais recém separados. O juiz responsável achou por bem iniciar aquela sessão através de uma música com crescente de ofensas contra as mulheres, comentando ainda que insultos direcionados às esposas ocorrem no ‘no calor da emoção’, autorizando a violência verbal que deveria combater.
A oficina em questão permitia a presença de crianças menores de seis anos, deixando apenas as maiores de seis anos com psicólogos. “Vocês percebem que a medida que a música avança a raiva vai aumentando? É isto que acontece nos divórcios”, disse o Juíz. Inciou-se na sequência, um debate estritamente masculino sobre a suposta histeria feminina. O episódio configurou violência de gênero institucionalizada. “Não tive dúvidas de que deveria fazer denúncia à OAB”, revela Patrizzi.
Todas as tratativas com a instituição geraram pressão e um recuo por parte do magistrado, que pediu desculpas formais à vítima. Um exemplo emblemático da advocacia praticada por Patrizzi, além do sinal alarmante do quanto o próprio Judiciário precisa mudar para ser efetivamente justo. Até porque o episódio teve seu desfecho recentemente, em 2023. “Na outra ponta, a da sutileza, entendo que a linguagem manifesta poder e percebo que até o cabeçalho padrão, usado pelos advogados para se reportar aos juízes e juízas, nas peças jurídicas ainda é estritamente masculino, mesmo diante de um número de juízas progressivamente mais alto, a cada ano”, pondera a especialista.
Corrigir sem sucumbir
Patrizzi exerce pressão por mudanças com a autoridade de quem se capacita e persiste em caminhar de mãos dadas com o meio acadêmico, aquele mesmo do qual quiseram lhe excluir por carregar a filha nos braços. A perseverança de corrigir ao invés de se deixar aniquilar e sucumbir ao destrato rendeu um caminhar continuado, depois da graduação, enveredando por especializações e, mais recentemente, por um mestrado, por meio do qual realizou pesquisa acadêmica, com o intuito de levantar dados sobre o acesso das mulheres negras à Saúde, durante a pandemia de Covid-19, em Curitiba.
Encontrou absurdos naturalizados em torno de atendimento que, quando ocorre, se dá com menos analgesia ou, no aspecto social, com embargo de acesso às informações dos pacientes, por parte dos próprios familiares, quando estes são negros.
“Me deparei com dois casos nos quais as esposas tiveram acesso negado às informações quanto aos maridos internados por serem negras. Uma delas, inclusive, só conseguiu saber do cônjuge por meio da filha dele, que é branca”, denuncia.
Ir além da própria dor e praticar o exercício empático de se colocar no lugar de grupos ainda mais injustiçados fez com que Patrizzi se debruçasse sobre a realidade das mulheres negras, para entender o quanto são excluídas do sistema de saúde, por exemplo. “Isto se comprova por meio da ausência de dados e estatísticas que deveriam lastrear quais grupos acessam o sistema para desfrutar do atendimento ao qual tem direito”, revela.
E, isto não é tudo. Em paralelo, Patrizzi participa também da Clínica de Direitos Humanos da UFPR e do grupo Alteridade e Constituição da PUC-PR. Neste último, a pesquisa é sempre feita sobre a perspectiva do Feminismo Decolonial.
Os insumos ou substratos retirados do meio acadêmico vão, pouco a pouco, edificando o Judiciário. Tanto assim que em 2023 o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) estabeleceu o protocolo que é o julgamento com perspectiva de gênero. Implemento que visa eliminar julgamentos prejudicados por estereótipos, preconceitos e desigualdades.
No âmago, o exercício do poder
Não raras são as menções de “crianças” em processo na Vara de Família, em indício de que a despersonalização de quem tem nome e sobrenome. Claro que há uma criança, mas todas elas são pessoas, tem nome, sobrenome e individualidade. Chamá-las de ‘crianças’ legitima um caminho de prejuízo, de saída, através da despersonalização, o que inviabiliza a defesa efetiva se seus direitos.
Como foi exposto nesta matéria, coisa igual ou pior acontece com outros grupos demonstrando que o que está em questão é o exercício do poder sob os pretextos mais escusos ou, no mínimo, questionáveis. Então, a homenageada por esta edição do anuário pauta a advocacia e advocacy que pratica por meio da declaração de Eleanor Roosevelt, ao defender a ideia de que os Direitos Humanos começam em casa, na vizinhança, na escola, no trabalho e demais estruturas sociais que compõem a rotina, pois “a menos que estes direitos tenham sentido nestes ambientes, eles têm pouco significado em qualquer outro lugar”, falava Roosevelt, didaticamente, sobre a importância de efetividade quotidiana da lei.
Greicy Kerol Patrizzi : Rua 15 de Novembro, 362, conj. 1101/03, Centro. Curitiba-PR. Tel: 3232-1575
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