Há três meses um evento pessoal me impôs bloqueio criativo e, desde então, não consigo mais escrever nada em primeira pessoa, falando sobre assuntos não factuais e de forma mais abstrata, como costumavam ser as crônicas publicadas por aqui. Em meio a este intervalo, a vida segue seu caminho, enquanto também cria novas estradas aos que se lançam ao desconhecido ou reencontram velhos percursos.
Posso dizer que revi uma rota antiga, daquelas trilhadas por toda a vida, durante viagem para o Rio de Janeiro. A finalidade da incursão era batizar meu filho no Cristo Redentor, dando aos avós paternos a chance de rever o único neto, aos padrinhos, parentes e amigos mais chegados a chance de conhecer o afilhado. Contudo, os cinco dias previstos para o passeio ficaram pequenos para quem sempre morou na Cidade Maravilhosa e procurou aproveitar dela o que há de melhor, que é o povo.
A teia de afetos é longa e numerosa. Feita por parentes, amigas, amigos, antigos colegas de trabalho, amigos em comum, pessoas por quem torço e que também torcem por mim. Pessoas antigas e recentes a quem tenho o prazer de apresentar meu filho, mesmo que isso demande o uso de máscaras, o distanciamento e todo o cuidado ainda necessário por conta da situação sanitária, somada à fragilidade de um bebê de cinco meses.
E, para além da novidade que um filho representa na vida de qualquer pessoa, há também a soma de toda esta rede de gente querida, através de conversas que transcendem a maternidade e me reconectam com a plenitude da minha própria identidade. Afinal, se sentir melhor e ainda mais feliz é algo automático quando conversamos com amigos durante um pôr de sol de domingo, na Mureta da Urca! Também ganhamos hormônios do bem estar quando encontramos amigas para nadar e remar no Posto 6!
Aliás, desde o dia que cheguei até agora, cada amontoado de 24 horas aos quais damos nomes de dias da semana foram preenchidos em grande parte por muita atividade física. Sobretudo aquela que é tão típica do carioca, a caminhada. E, durante percursos corriqueiros ela nos rende o bem estar de apreciar uma paisagem bonita, assim como os benefícios de sentir o sol no corpo. Mas, mais que tudo isso, caminhar nos favorece com um dos maiores presentes que esta terra pode dar a quem passa por ela. Ontem, por exemplo, caminhava para comprar um tênis novo, porque o antigo se rasgou de tanto uso. Aguardava em uma fila enquanto a senhora que estava atrás de mim entabulou uma conversa.
O papo iniciado em torno do oscilar da lâmpada que iluminava o logradouro público rapidamente evoluiu para uma reflexão sobre a frieza e o individualismo nas grandes cidades, avançando para pormenores pessoais e até delicados de relações familiares de nós duas. Também falamos sobre autoconhecimento, o desafio de superar questões que mais limitam que agregam e ainda sobre a situação política do país. E, no espaço de meia hora mergulhamos em universos impensados para o que poderia terminar com a crítica à falta de manutenção na iluminação pública. Mais que o mergulho subjetivo que deixou as duas partes mais leves e humanizadas por refletirem juntas, mas através de um novo ponto de vista, a circunstância nos somou como só experimento por aqui, enchendo de verdade a máxima de que o carioca é capaz de agir como melhor amigo até com desconhecido!
É bem verdade que nem todos estão prontos ou dispostos a isto, mas vejo neste fenômeno social uma catarse curativa de extrema importância! E, comemoro o fato de ter avançado gerações para depreender disto a troca humana que há em se dispor à conversa, sem me incomodar, como minha avó, uma gaúcha que preferia se manter fechada e chocada diante de situações como essa, enquanto desabafava conosco: “Não entendo esse hábito do carioca de falar a vida toda com estranhos, mesmo quando ninguém pergunta sobre!”
Ao invés disto, agradeço pela soma e também por somar. Acredito que a comunicação salva vidas e mesmo o planeta, estabelecendo a paz da qual precisamos para coexistir, em diferenças e nuances que nos fazem humanos e plurais, em nossas individualidades. Não por acaso, cursei Jornalismo, inclusive. Mas, a ciência da Comunicação se constrói com robustez no dia a dia. Agora mesmo, acabo de esbarrar com uma amiga que não via há 15 anos, em plena academia! Evidente que a malhação foi para o espaço, mas por uma ótima causa! Reatar laços com quem nos entende é precioso! Enxergar, entender, dar suporte e amizade em retribuição também!
Então, esteja você onde estiver, se pergunte que silêncios lhe sufocam e que palavras podem lhe expandir.
Assim se sentiu e escreveu com exclusividade, para CLA Magazine, Raquel de Andrade