Às vésperas de seu aniversário de 91 anos, Anderson Bueno e Laura Wie destrincham a carreira do estilista alemão
10 de setembro de 1933, há 91 anos, nascia Karl Otto Lagerfeld, em Hamburgo na Alemanha – segunda maior cidade do país – o conhecido ícone da moda veio de uma família bem-sucedida, e ao terminar o ensino secundário partiu para Paris, onde se formou em desenho e história – mal sabia, mas sua jornada fashionista estava iniciando.
Nos anos 50, já em Paris, ganhou o concurso da Secretaria Internacional da Lã pelo desenho de um casaco, que foi então produzido pela renomada casa francesa Pierre Balmain. A partir daí foi convidado pelo próprio Balmain a ser seu assistente e entrou numa espiral de grande expressão, trabalhando como diretor de estilo ou freelancer em várias etiquetas internacionais, como Jean Patou, Chloe, Charles Jourdan e Valentino. Em 1965 se torna diretor de criação da empresa de peles italiana Fendi, e em 1983 assina com a Chanel, mantendo ambos os contratos até o fim da vida.
“Acredito que por ser muito conhecido e assediado, não só no universo da moda, mas mundialmente, Karl usava desse artifício de um criador sisudo para se preservar. Uma tarefa nada fácil para um homem de quase 1,80m com cabelos totalmente brancos, compridos, amarrados num rabo de cavalo, e vestido de maneira extravagante. Mas na intimidade da Maison Chanel, seu escritório e ateliê de trabalho desde 1983, o estilista zanzava à vontade sem flashes, dando ordens para a equipe em francês, inglês e, quando ficava agitado demais, em alemão – o que dificultava enormemente o entendimento da instrução”, comenta Laura Wie, especialista em História da Moda.
Com o passar dos anos, o universo da moda estava ficando pequeno para o estilista, chegava o momento de expandir, foi então que em 2018, Karl Lagerfeld se uniu com a marca de beleza australiana ModelCo e lançou uma linha exclusiva de maquiagem com mais de 50 produtos, incluindo duas paletas de sombras inspirada em Choupette, sua gata de estimação. Em 2019, mesmo ano de sua morte, Lagerfeld permanecia vivo perante as marcas, foi então que a L’Oréal lança sua collab com o estilista – a linha de maquiagem intitulada “Karl”. “Essa linha de maquiagem reflete verdadeiramente o universo da marca Karl Lagerfeld e o que ele amava na maquiagem, ele costumava usar sombras como cores em seus esboços”, comentou na ocasião Caroline Lebar, chefe de imagem e comunicação da Maison Karl Lagerfeld.
“Karl Lagerfeld é sinônimo de inovação, sem perder as características de sua história. Não tem como a moda ficar separada do universo da maquiagem – ambas caminham juntas. A maquiagem sempre acaba sendo uma extensão do que será ou foi tendência no mercado fashion, e as inserções de Karl no mundo da maquiagem sempre foram precisas, e claro, inovadoras”, frisa o make-up designer Anderson Bueno.
Anos antes de sua morte, o estilista alemão já havia assinado uma linha de maquiagem e esmalte com a marca Sephora e como já usava por muitos anos os produtos da marca Shu Uemura, também decidiu firmar uma parceria com a empresa japonesa.
Conhecido por seu visual All Black, luvas, cabelos compridos e amarrados com um laço preto, Karl Lagerfeld deixou sua marca registrada no cenário da moda mundial com seu estilo único – “sem dúvida alguma o visagismo ou visual de uma pessoa pode transmitir diversas mensagens, no caso de Lagerfeld, eu entendo mais como uma forma reservada e tímida, do que uma forma extravagante, muitas vezes ele passava essa imagem de forma aristocrata”, pontua Anderson Bueno.
Assim que foi contratado para ser o diretor de criação da Chanel doze anos depois da morte de Gabrielle Chanel em 1971, Lagerfeld soube que precisava mudar para manter a grife a mesma: uma marca relevante, funcional, feita para uma mulher independente e de atitude. Se a Chanel revolucionou o guarda-roupa feminino no início do século XX criando peças confortáveis, com modelagens simples e inspiradas no vestuário masculino, além de abarcar o segmento de lazer/esportes que crescia na sociedade francesa, o visionário alemão chegou décadas depois para dar continuidade ao apelo glamuroso e moderno da marca, adaptando o então refinamento atingido por Gabrielle para uma visão descolada de grandes clássicos. E fez isso com enorme genialidade, apresentando a cada coleção releituras e ressignificações de um conceito solidificado há mais de um século.
“Em sua habilidade artística e trânsito aberto em tantas áreas como a ilustração, a fotografia, a literatura e o design de interiores, não fica difícil entender a facilidade com que ele inventava moda. Sempre atento aos novos rumos e tendências de um setor que, com Karl, se tornou ainda mais especial e requintado. A moda atual decididamente não seria a mesma sem as contribuições do artista que soube captar a síntese do estilo Chanel e jogá-la para o mundo”, complementa Laura Wie.
Ao assumir o cargo de diretor criativo da Maison Chanel na década de 1980, o destino de Karl Lagerfeld já estava traçado, tanto no ramo da beleza, quanto no mercado fashion – já previa Gabrielle Chanel em uma de suas famosas frases: “se você está triste, se está decepcionada com o amor, maquie-se, faça um tratamento de beleza, passe batom e ataque” – e ela sempre esteve certa. “Eu sempre vejo a maquiagem de mãos dadas com a moda. Graças à ousadia de Chanel, em 1920, as mulheres passaram a cortar seus cabelos curtinhos – isso é atitude, isso é revolucionário”, finaliza Anderson Bueno.
Karl Lagerfeld foi um verdadeiro gênio criativo, cuja postura aberta ao espírito do seu tempo e a disponibilidade para empreender em conceitos variados (e mesmo contraditórios), tornou o estilista um dos primeiros da indústria da moda moderna a circular com tanta naturalidade e autoridade por diversos estilos, áreas e segmentos, ultrapassando as fronteiras “do vestir” para se tornar um dos maiores nomes da história da criação.
Paulo Sanseverino