A partir de uma tese de doutorado, Grupo Carmin criou uma obra que venceu os prêmios Shell de Melhor Dramaturgia e Cesgranrio de Melhor Espetáculo
“Eu vivi a minha vida inteira no Nordeste urbano, fui conhecer o sertão um dia desses. Fui criada ouvindo Nirvana, vendo os filmes do [cineasta sérvio] Emir Kusturica, mas sempre que estou no Sudeste, me perguntam da seca. Eu nunca nem vi a seca.”
As palavras, ditas em tom bem-humorado, são da diretora Quitéria Kelly, que comanda o espetáculo “A Invenção do Nordeste”, em cartaz na Mostra Lucia Camargo do Festival de Curitiba, com sessões nos dias 8 e 9 de abril, respectivamente às 20h30 e às 19 horas, no Guairinha. Não espere, portanto, uma encenação regionalista, com muito couro e chapéus de cangaceiro, nem tramas envolvendo honra, miséria e um eventual duelo de peixeiras. Estamos em outra seara.
A peça é baseada no livro – originalmente, uma tese de doutorado – do historiador Durval Muniz de Albuquerque Júnior. Nele, o autor investiga as raízes dos estereótipos e lugares-comuns que formaram o imaginário brasileiro a respeito dos nordestinos.
Nas mãos do Grupo Carmin, do Rio Grande do Norte, a historiografia de Albuquerque Júnior se transformou numa obra artística que venceu os prêmios Shell de Melhor Dramaturgia e Cesgranrio de Melhor Espetáculo, entre outros.
No enredo, o produtor de um filme está à procura de um ator que seja “o mais nordestino possível”. Para os dois intérpretes que disputam o papel, sobra a tarefa de tentar descobrir o que isso significa, exatamente.
“O Nordeste tem nove estados, mais de 30% população brasileira”, argumenta Henrique Fontes, que, além de atuar, também assina o texto, em parceria com Pablo Capistrano. “Então, esse chavão, essa imagem que se tem do Nordeste e do nordestino, ele não se sustenta na realidade. É uma coisa que só existe na nossa cabeça.”
No palco, todos os atores representam a si próprios, inclusive utilizando seus nomes verdadeiros e trazendo para a cena passagens que eles mesmos viveram em suas trajetórias artísticas. É autoficção e teatro documental, reforçado por projeções audiovisuais de imagens históricas. Mas pode chamar também de comédia. “As situações são tão ridículas que você ri o tempo inteiro”, conta Quitéria Kelly. Um exemplo? Logo no início da montagem, os dois personagens principais discutem, para decidir quem entende mais de Nordeste. Um deles afirma: “No Nordeste tem seca.” Ao que o outro responde: “Seca tem em todo lugar.” A tréplica é certeira: “Em São Paulo, não. Em São Paulo tem crise hídrica.”
Mas, afinal de contas, de onde vem essa imagem inventada do nordestino, que se perpetua há gerações? Ela foi, sem dúvida, alimentada pela TV, pelo cinema e pela literatura. Embora o Nordeste ainda nem existisse como uma das cinco regiões do Brasil em 1902, quando Euclides da Cunha lançou “Os Sertões”, a descrição que o escritor faz do sertanejo – como alguém permanentemente esfomeado, fatigado, de corpo malfeito e cabeça grande – acabou posteriormente aplicada aos nordestinos em geral.
“Muita gente bebeu dessa fonte depois”, diz Quitéria. “Ou seja, esse estereótipo foi criado pela arte, e só a arte pode desfazer isso.”
A Invenção do Nordeste é um dos espetáculos da Mostra Lucia Camargo que é apresentada por Banco CNH Industrial e New Holland, Novozymes, Copel e Sanepar – Governo do Estado do Paraná, com patrocínio de EBANX, DaMagrinha 100% Integral, GRASP e ClearCorrect. Acompanhe todas as novidades e informações pelo site do Festival de Curitiba www.festivaldecuritiba.com.br, pelas redes sociais disponíveis no Facebook @fest.curitiba, pelo Instagram @festivaldecuritiba e pelo Twitter @Fest_curitiba. Ingressos disponíveis pelo site oficial e na bilheteria física no Shopping Mueller (Piso L3).
Grupo Carmin. Dirigida por Quitéria Kelly, com dramaturgia de Henrique Fontes e Pablo Capistrano. Elenco: Henrique Fontes, Rafael Guedes e Igor Fortunato. Direção e Figurino: Quitéria Kelly. Assistência de Direção, Dramaturgia Audiovisual e Desenho de Luz: Pedro Fiuza. Assistente de Produção e Direção de Palco: Daniel Torres. Consultoria Histórica e de Roteiro: Durval Muniz de Albuquerque Jr. Direção de Arte e Cenografia: Mathieu Duvignaud. Dramaturgia: Henrique Fontes e Pablo Capistrano. Preparação Corporal: Ana Claudia Albano Viana. Preparação Vocal: Gilmar Bedaque. Produção Executiva: Mariana Hardi. Trilha Sonora: Gabriel Souto / Toni Gregório. Design Gráfico: Teo Viana / Vítor Bezerra. Xilogravura: Erick Lima. Costura: Kátia Dantas. Cenotécnica: Irapuã Junior. Edição de Vídeo: Juliano Barreto, Pedro Fiuza. Locução: Daniele Avila Small (“diretora carioca”) / Giovana Soar (“diretora paulistana”). Assistência Técnica: Anderson Galdino.
Serviço:
A Invenção do Nordeste
Mostra Lucia Camargo – Festival de Curitiba
Data e Horário: 8 de abril às 20h30 e 9 de abril às 19h.
Local: Guairinha (Rua XV de Novembro, 971 – Centro)
Classificação: 12.
Duração: 60′
Ingressos: www.festivaldecuritiba.com.br e no Shopping Mueller (Piso L3).
Valores: R$ 80 e R$ 40 (meia)
Espetáculo conta com intérprete de Libras