Enquanto escrevo esta crônica Benjamin está dentro do canguru. Escolhi um modelo um pouco diferente do usual, para mantê-lo grudado ao meu corpo, dentro de uma redinha, que fica transpassada no tronco. Andando com ele pela rua, dentro deste aparato, já ouvi coisas como “continua na barriga” ou “tem um neném aí dentro?”. Diferente dos cangurus que mantém o bebê exposto este resguarda a criança, mas dá a ela o direto de espiar o mundo, se quiser olhar para além do corpo da mãe. Mesmo nós, adultos, fazemos isso! Quantas vezes insistimos em esquecer o mundo lá fora e só observá-lo de longe?
Olhar a vida à luz da própria realidade é um movimento natural, daí ser tão enriquecedor perceber a vida por outras perspectivas! Nem sempre conseguimos, mas sempre que isso ocorre nos tornamos mais interessantes, gentis e humanos! Acho que a arte contribui muito para este resultado, já que cria o exercício empático de forma lúdica, leve e sutil. Tenho comemorado o processo de educação que a novela Pantanal consegue entregar quanto ao combate da homofobia, por exemplo.
Entendo que todo o emprenho empreendido de forma direta quanto ao assunto não chegou nem perto da transformação que começa a acontecer diante da cena na qual o personagem de Marcos Palmeira explica aos funcionários que as brincadeiras ofensivas com pessoas gays matam e são criminosas, completando que quem repetisse aquela atitude seria banido de sua propriedade. Adiante, o mesmo personagem se retrata com quem foi ofendido e resume: “Todo bicho tem o direito de ser o que é!”
Como humanidade, já deveríamos ter superado este e outros estranhamentos. Mas, o assassinato por posição política é outro exemplo que revela o quanto ainda precisamos treinar o olhar e o coração para lidar com as diferenças, sem que elas nos ameacem tanto! Inclusive, a primeira reflexão de quem se aflige e se incomoda o diferente deveria ser a seguinte: “Se tenho tanta convicção de me identificar com x, y ou z, por qual motivo me incomodo tanto com quem prefere b?”.
O desejo de aniquilar a diferença revela uma fragilidade mais intrínseca e séria que se pode imaginar! E, é ela que deve ser tratada! Não o diferente! Na verdade, o diferente deveria ser premiado por promover uma inquietação necessária ao entendimento mais claro e honesto sobre si mesmo e o quanto aquela ideia, realidade ou identificação é real ou ilusória. O quanto ela representa cada um ou serve apenas de muleta emocional e ferramenta para buscar pertencimento social.
Se alguém se insurge contra quem vota em candidato diferente talvez use a própria escolha política para exercitar a violência que reprime e precisa ser tratada em suas causas de origem. Se um homem supostamente hétero se sente confortável para atacar um homossexual talvez exista uma inveja da coragem que lhe faltou para assumir e viver livremente quem realmente é. Ou, pior ainda, possa haver uma necessidade de pertencimento social quanto aos demais “héteros”, que não fazem ideia de como tratar a memória de experiências clandestinas que os levaram ao sentimento de constrangimento e culpa. Aí, me refiro aos muitos pais de família que – escondidos de suas esposas – procuram travestis, por exemplo.
Poderíamos desfiar o rosário com inúmeros exemplos sobre o quanto é equivocado, inútil e injusto atacar o outro, já que – além de tudo – o único ser que podemos mudar somos nós mesmos! Então, que o exercício de olhar para fora só nos inspire empatia para entender e apoiar tudo e todos em suas naturezas e realidades. Contato que não prejudiquem outras pessoas todos tem o legítimo direito de serem quem são, sem que isso lhes renda punição alguma.
E, mesmo para os casos nos quais a atitude individual repercute de forma coletiva – como é o caso do voto em qualquer candidato – há que se ter em mente que lidar com isso é o preço para que todos possam se expressar, por meio da Democracia. Em um passado recente, vivemos a ausência dela e já sabemos que o ônus é muito, mas muito pior mesmo! Aliás, o enfraquecimento da Democracia, por meio dos ataques às urnas eletrônicas, por exemplo, só interessa a quem precisa deslegitimá-las para perdurar no poder….
Assim se sentiu e escreveu, com exclusividade, para CLA Magazine, Raquel de Andrade
Raquel de Andrade
Jornalismo e Comunicação Corporativa
@raquelmedandrade
41 99108-6401